CECÍLIA ANDREOTTI ATIENZA
Diretora do Centro de Documentação e Informação da Câmara Municipal de São Paulo.
Revista Palavra-Chave, São Paulo, n.1, p.15-18, 1982.
1 Introdução
Os profissionais bibliotecários, já não sem tempo, estão começando a tomar consciência dos problemas atuais existentes sobre a invasão de outros profissionais (não bibliotecários), na área da Biblioteconomia brasileira.
Ora, esse mercado de trabalho, que deveria ser privativo do bacharel em Biblioteconomia, está sendo utilizado por profissionais de outras áreas, sobre as mais diversas alegações. Isto porque a profissão biblioteconômica vem se desenvolvendo a passos largos, ampliando a escala de valores, que por definição, sempre pertenceu à Biblioteconomia, mas que na impossibilidade natural dos legisladores de 1962 de preverem esse desenvolvimento na Ciência da Biblioteconomia, fez com que a parca legislação existente sobre o assunto se tornasse inadequada, dando margens a interpretações jurídicas as mais diversas, embora saibamos que essas interpretações deveriam respeitar o conceito da matéria a intenção do legislador ao elaborar uma norma, ou seja, obedecendo a interpretação lógica da norma, que nada mais é que a investigação do fim ou da razão da lei, para fixar-lhe o seu real sentido.
Mas nem sempre isso acontece, pois por conveniências diversas, o intérprete poderá justificar sua tese segundo uma interpretação gramatical, ou seja, aquela que estabelece o sentido objetivo da lei, com base em sua “letra”.
Muitos autores jurídicos não se satisfazem com essa interpretação, pois as palavras escondem ou representam um significado não representado, na maioria das vezes, com fidelidade.
Por esta razão, os intérpretes da lei partem a investigação da “ratio legis”, ou melhor, para o fim perseguido pela lei, de modo que, em função dele, possa fixar exatamente o sentido depreendido da “letra da lei”.
Interpretar o Direito “é estabelecer o sentido objetivo da norma, não o sentido retrógrado e nem aquele que de forma alguma poderia ser incluído, mas o que se depreende do texto ajustado à realidade social. Pra descobri-lo, o intérprete deve pensar como homem de sua época e não como homem do tempo em que a lei foi sancionada. Assim, o sentido da lei deve ser atual, e não retrógrado e nem revolucionário” (13).
Uma vez explicadas as divergências possíveis de interpretação, vamos detalhar os problemas legais da Biblioteconomia, dividindo em partes as áreas mais atingidas, começando pela lei maior que disciplina o exercício da profissão, mediante a Lei Federal nº. 4084, de 30 de junho de 1962 (1) e o respectivo Decreto Federal regulamentador, nº. 56.725, de 16 de agosto de 1965 (2).
2 Princípios da Lei 4084/62
Essa lei é o resultado da situação biblioteconômica correspondente aos anos de 1962. Ora, passados vinte anos de sua promulgação, ela não pode atender mais aos objetivos da época atual, pela natural evolução da profissão e as conseqüências resultantes desse fator cultural, mas isto não significa que se deva permitir as “convenientes” interpretações de outrens, menos preocupados com o destino das bibliotecas brasileiras. Sabemos que se faz necessário modificar a Lei 4084/62, mas, antes que isso aconteça, vamos defender os princípios existentes na lei, que por extensão, permitem a defesa dos interesses profissionais dos bibliotecários.
Quais são esses princípios? Então, vejamos:
2.1 Exercício profissional
O exercício da profissão de bibliotecário foi objeto de disposição da Lei 4084, de 30 de junho de 1962 e de sua respectiva regulamentação, pelo decreto 56.725, de 16 de agosto de 1965.
Esta norma apresenta para o estudo do problema, basicamente, a disposição que exige para provimento e exercício de cargos técnicos de bibliotecários (e documentaristas), na administração pública, autárquica, parestatal, empresas sob intervenção governamental ou concessionárias de serviço público, a obrigatoriedade da apresentação de diploma de bacharel em Biblioteconomia. (Obs.: Não existe, juridicamente, a profissão de documentarista. O exercício das funções de “documentarista” é sempre do profissional bibliotecário. Esta nomenclatura precisa de uma reavaliação por autoridade competente.)
2.2 Funções privativas ou atribuíveis ao profissional bibliotecário
O art. 1º., do próprio diploma legislativo em questão, estabeleceu expressamente a intenção citada em primeiro lugar, ao declarar ser “a designação profissional de bibliotecário, privativa dos bacharéis em Biblioteconomia”, como também, assim podem entender, no art. 3º., em relação ao preenchimento dos cargos da série de classes de bibliotecário (e documentarista), onde está clara a exigência peremptória do diploma para aquele fim.
Porém, no art. 2º. quando diz a quem caberá o exercício da profissão de bibliotecário, usa a palavra “permitido” e não “privativo” que impediria, legalmente, as aberrações que estão acontecendo em nosso país, onde pessoas não habilitadas estão dirigindo nossas bibliotecas e centros de documentação, muitas delas sob a alegação (errônea) de que os cargos são de confiança.
O art. 6º. quando diz: “São atribuições dos bacharéis em Biblioteconomia…”, também não deixou claro essa intenção, dando oportunidade a alguns técnico-jurídicos, de adotarem a tese segundo a qual a lei diz que são atribuíveis aos bacharéis em Biblioteconomia as tarefas relacionadas no artigo mencionado, sem afirmar que lhes seriam, também, privativas, pretendendo, apenas, evidenciar que do exercício do cargo em comissão de direção intermediária, não se origina qualquer desvio de atribuições.
Temos como exemplo, o caso da Biblioteca Nacional. Embora a alínea “c” do art. 6º. dá como atribuição ao bacharel em Biblioteconomia “a administração e direção de bibliotecas”, tivemos um não bibliotecário na direção da Biblioteca Nacional, sob a alegação de especialistas jurídicos ligados ao MEC de que “segundo a Lei 4084, que regulamenta a biblioteconomia, o diploma de bibliotecário é imprescindível para a ocupação de cargos técnicos de bibliotecários e documentaristas. A direção da Biblioteca Nacional, entretanto, não se enquadra nestas especificações, sendo um cargo de direção e assessoramento superior, com funções essencialmente administrativas” (8).
Outro exemplo a ser citado é o caso da direção de Serviços de Documentação que, embora, expresso na alínea “d” do art. 6º. “a organização e direção dos serviços de documentação”, tivemos um parecer da Consultoria Geral da República, aprovado pela Presidência da República, onde encontramos a alegação de que “a Lei 4084/62, não tornou privativo dos bacharéis em Biblioteconomia, as funções de direção dos serviços de documentação. É aconselhável, entretanto, o recrutamento entre aqueles que tenham a qualificação de que trata a referida Lei” (3).
Esses exemplos retratam o resultado dessa omissão legislativa que permitiu a elaboração dos pareceres acima mencionados entendendo (esses pareceres) que o diploma legislativo em causa não deu exclusividade aos ocupantes de cargos de bibliotecário (e documentaristas), ou que pelo menos isso não ficou expresso na lei e consideram o diploma legal, apenas, quanto à sua interpretação literal, ou seja, onde a lei não distingue, ao intérprete não será lícito distinguir.
A gravidade, nesses casos, reside no fato (como aconteceu com o Parecer 382-H/66, de autoria do Consultor Geral da República, Dr. Arnaldo Mesquita da Costa) de que esses pareceres quando aprovados pela Presidência da República, não se pode recusar sua aplicação na esfera administrativa, embora essa exigência de habilitação seja perfeitamente legal quando entendida sob a luz da interpretação lógica da norma. (Ao “caput” do art. 6º. Deve ser dada nova redação como: “São atribuições privativas dos bacharéis em Biblioteconomia…”. E, para resolver definitivamente o problema de “cargos de confiança”, deve ser acrescentada uma alínea nesse mesmo artigo, referente às atribuições, constando do seguinte: “o exercício de cargos ou funções de direção, chefia e encarregatura, em comissão ou mediante contrato, nas áreas abrangidas pelas bibliotecas, bancos de dados bibliográficos, redes, sistemas, centros e serviços de documentação e/ou informação e demais entidades e/ ou instituições que tenham como objetivo o armazenamento e/ou a disseminação da informação em qualquer área de atividade intelectual” (4)).
2.3 Direção de Bibliotecas e de Serviços de Documentação
As alíneas “c” e “d” do art. 6º. Declaram como “atribuições dos bacharéis em Biblioteconomia a organização, direção e execução dos serviços técnicos de repartições públicas federais, estaduais, municipais e autárquicas e empresas particulares, concernentes às matérias e atividades seguintes”:
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c) a administração e direção de bibliotecas.
d) a organização e direção dos serviços de documentação.
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Ora, hoje temos que fazer a interpretação lógica, extensiva dessas alíneas, uma vez que além de bibliotecas de uma forma pura, temos em razão do desenvolvimento dessas mesmas bibliotecas “o planejamento, assessoramento, consultoria, organização, implantação, administração e direção de bibliotecas, bancos de dados bibliográficos, redes, sistemas, serviços e centros de documentação e/ou informação e demais entidades e/ou instituições que tenham como objetivo o armazenamento e/ou disseminação da informação em qualquer área de atividade intelectual” (4).
3 Definição de bibliotecas
Outro comentário a ser feito, ainda com relação ao art. 6º., onde o dispositivo menciona, textualmente, “organização, direção e execução dos serviços técnicos (…) de administração e direção de bibliotecas”. Mas, a aplicação desse preceito esbarra numa indagação: o que é biblioteca? Com efeito, sob esta denominação cabem realidades muito distintas, desde a Biblioteca Nacional com seis milhões de peças (livros, discos, mapas, periódicos etc.) até a de uma escola primária modesta.
E, aqui, poderemos citar alguns exemplos com comentários relativos a essas bibliotecas exemplificativas.
3.1 Biblioteca Pública
O manifesto da UNESCO sobre a biblioteca pública, define-a como força em prol da educação, da cultura, da informação e como instrumento indispensável para promover a paz e a compreensão entre os povos e as nações. Esse manifesto diz ainda que a biblioteca pública deve ser estabelecida à base de dispositivos legais inequívocos que regulem a prestação de um serviço de biblioteca pública de alcance nacional.
Portanto, é indiscutível a necessidade de serem baixadas normas por autoridade competente, baseadas numa publicação de nível internacional, como Internationl Federation of Library Associations, denominada Standards for Public Libraries traduzida para o português como “Normas para Bibliotecas Públicas” e onde inclui o citado manifesto da UNESCO (11).
3.2 Biblioteca Infanto-Juvenil
Em artigo publicado por Yvette Z. Duro (9) encontramos o pensamento de Cecília Merirelles, segundo o qual “as bibliotecas infantis correspondem a uma necessidade da época e têm a vantagem não só de permitirem à criança uma enorme variedade de leituras, mas de instruírem os adultos acerca de suas preferências”.
Yvette diz que “o número de bibliotecas infantis no Brasil é pouco significativo, embora na década de 70 fosse verificado maior desenvolvimento em algumas regiões”. Diz, ainda, que “as atuais diretrizes do ensino brasileiro contribuíram para o maior afluxo de estudantes às bibliotecas públicas mas relegaram a um plano secundário as escolares e infanto-juvenis”.
Não seria o caso de se estabelecer normas por autoridade competente, que poderiam ser baseadas, também, na publicação “Normas para Bibliotecas Públicas”, no item que se refere às crianças, lembrando sempre que “as crianças formam um grupo identificável dentro da comunidade, com necessidades e interesses especiais” (11).
3.3 Biblioteca escolar
A biblioteca escolar permanece entre nós como um simples repositório de material impresso ou um depósito de livro apenas.
Tereza da Silva Freitas Oliveira (16), em seu artigo, diz muito bem e de forma sucinta como a biblioteca escolar representa uma unidade integrante do núcleo de Apoio Técnico Pedagógico, no Regimento das Escolas de 1º. e 2º. graus no Estado de São Paulo, explicando a integração do bibliotecário nos planejamentos e programações escolares e, ainda, o relacionamento que se almeja no processo ensino-aprendizagem. Esses elementos todos fazem parte da estrutura funcional dessas escolas, de uma forma técnico-legal a não deixar dúvidas, mediante decretos estaduais (para São Paulo): nº. 10.623, de 26 de outubro de 1977 e nº. 11.625, de 23 de maio de 1978.
Temos que citar nesse item que “de acordo com o determinado nos artigos 2º. e 3º. do Decreto Estadual (São Paulo) 5.771, de 4 de março de 1975, o governo paulista assumiu o encargo de criar bibliotecas e, simultaneamente, os cargos de bibliotecários nas escolas de 1º. e 2º. graus da rede estadual de ensino, quando estas tiverem mais de 200 alunos. Infelizmente a exigência legal não está sendo cumprida, apesar da sua indiscutível necessidade” (10).
“Ora, se a lei estabeleceu que as bibliotecas fossem instituídas nos estabelecimentos de ensino de 1º. e 2º. graus, não se compreende e muito menos se admite a omissão do governo estadual” (10). E, nós acrescentamos: e os trabalhos de base a serem elaborados pelos órgãos de classe?
Ainda assim, São Paulo possui alguma norma sobre o assunto. E as demais regiões? Não seria o caso de termos uma legislação em âmbito nacional como diretriz básica? E, conseqüentemente, normas paralelas em cada região, salvaguardando as peculiaridades de cada um?
Nos Estados Unidos, temos a American Association of School Libraries que cuida de tornar realidade normas legais sobre biblioteca escolar.
3.4 Bibliotecas Universitárias
Conforme Indicação do CFE, nº. 20, de 8 de outubro de 1968 (7), nos processos de autorização e reconhecimento de escolas superiores ou de universidades devem ser objetivamente consideradas as condições de suas bibliotecas. Esse mesmo documento diz que “a biblioteca constitui a peça central de uma escola. Mesmo antes de a escola existir, pode existir a biblioteca. Por sua natureza um núcleo de estudos, tem sido, em casos raros porém altamente expressivos, o ponto de partida de escolas e universidades. Isso porque a dinâmica de uma biblioteca se enriquece dia a dia: é, ao mesmo tempo, uma fonte de bibliografia e uma instituição de consulta e pesquisa. Habitualmente promove cursos, conferências, exposições, seminários, publicações. Ao acervo de livros, outros departamentos se juntam, como os de revistas, os de gravura, os de dispositivos, a discoteca e a filmoteca. Enfim, todos os veículos em que a cultura se perpetua, e através dos quais pode ser definida. Por vezes, a biblioteca inteligentemente dinamizada vale tanto ou mais que uma escola. Impõe-se, pois, considerar a biblioteca como exigência preliminar à existência de qualquer escola”. E, ainda, diz que “a organização, as instalações específicas, a relação entre estas e o numero de alunos e mestres, a bibliografia geral, as bibliografias especializadas, os técnicos e funcionários hão de ser considerados na apreciação de autorizações e reconhecimentos no tocante às bibliotecas”.
3.5 Bibliotecas especializadas ou de empresas
Nice Figueiredo (12), em artigo publicado, diz que: “as bibliotecas especializadas diferenciam-se por sua estrutura orientada ao assunto, uma vez que as organizações maiores nas quais se inserem, têm normalmente objetivos mais específicos que gerais. Distinguem-se também pelos tipos de pessoas de que são servidas: pessoas associadas às organizações mantenedoras e que têm interesses e habilidades especiais”.
Não podemos deixar de citar, também, Antonio Miranda (15) quando diz que: “o objetivo da biblioteca de empresa é de capacitar o indivíduo para que ele, bem informado, acompanhe a evolução tecnológica e científica e garanta, para a empresa, rendimento e produtividade em termos de qualidade e efetividade profissionais”.
Segundo os conceitos de biblioteca especializada preconizados por Nice Figueiredo e Antonio Miranda, deveríamos ter normas específicas sobre definição, características, funções e objetivos desse tipo de biblioteca, a exemplo do que acontece com a Special Libraries Association quando descreve os objetivos da biblioteca especializada.
3.6 Deliberação do Conselho Federal de Biblioteconomia
Voltando ao início da nossa indagação, nesse comentário “Definição de bibliotecas”: poderíamos aplicar a toda essa heterogeneidade de situações o mesmo critério? – ou, mesmo, identificar a todas sob a mesma denominação, no seu sentido legal? – ou, ainda, fazer as mesmas exigências a todas elas? Acreditamos que não.
Essa dificuldade existe na Lei 4084/62, pois o termo “biblioteca”, no texto legal, é carente de definição. Caberia, pelo menos, distinguir entre uma biblioteca como entidade autônoma e outra que é, apenas, uma coleção de textos para consulta, servindo em caráter suplementar a uma atividade principal. Mesmo no primeiro caso, uma biblioteca que seja, em si mesma, uma entidade, pode serão tão modesta que não se concebe exigir à sua administração um profissional qualificado.
A perfeita interpretação da regra contida nas alíneas “c” e “d”, do art. 6º., conforme redação da Lei 4082/62, exige atenção ao conceito de “bibliotecas” e de “serviços de documentação”. Essa cautela se impõe porque os vocábulos são mencionados em todas as disposições legais existentes, como referência às diretrizes para a fixação de exigências e qualificação profissional.
Daí chegamos à conclusão de que o dispositivo acima mencionado não é auto-aplicável, sendo ao contrário, carente de regulamentação ou interpretação que tenha validade normativa. Ora, a própria Lei 4084 consigna, na alínea “f”, do seu art. 15, como atribuição do Conselho Federal de Biblioteconomia, a de “expedir as resoluções que se tornem necessárias para a fiel interpretação e exceção da presente Lei”. Podemos citar, como exemplo, o final do art. 3º. da Lei 4084, que oferece um caso de exceção à regra geral contida no art. 2º., que exige a formação técnica específica para o exercício da profissão de bibliotecário. Essa exceção se refere aos casos dos “atuais ocupantes efetivos” da função de bibliotecário e documentarista na época da promulgação da Lei 4084. Como essa disposição compreendendo a norma da exceção não está muito clara, o Conselho Federal de Biblioteconomia solicitou a especialista no assunto, um parecer técnico-jurídico (14) sobre a interpretação da mesma. Esse parecer teve como resultado a Resolução do CFB nº. 131, de 21 de outubro de 1975 (5), que interpretou e definiu o campo de aplicação do art. 3º. da Lei mencionada e que deu solução aos processos referentes à questão.
Por que os Conselhos não continuam a adotar o mesmo critério, uma vez que a própria Lei manda?
Àquele órgão cabe, portanto, não a outro qualquer, persistindo a omissão regulamentadora do Poder Executivo, deliberar sobre o âmbito exato de aplicação da regra, não somente por ser esta lacônica, senão, também, por ser absolutamente impreciso o seu objeto.
4 Conclusão
Movimentam-se os bacharéis em Biblioteconomia para discutir a questão do mercado de trabalho do bibliotecário. Muito se tem dito a respeito. Quase tudo é lógico e pertinente à matéria. As soluções apontadas, se praticadas, não deixariam de melhorar, de alguma forma, a situação. Contudo, à evidência, as análises não aprofundam o tema, até o desejável. E, as saídas apontadas são parciais, portanto, insuficientes.
E, em primeiro lugar, vêm as graves seqüelas que o arbítrio deixou em nosso ordenamento jurídico, a partir da Lei 4084/62, que com o decorrer do tempo (20 anos), sem querer sofrer as naturais modificações de redação, tornou-se ultrapassada, permitindo que determinadas soluções fossem encontradas fora das normas regulamentadoras da profissão.
Outra questão importante é a da prevalência de atos emanados por órgãos diretivos. Onde estão as Resoluções dos Conselhos Federal e Regionais que deveriam suprir as lacunas existentes e interpretar o que não está claro? Esquecem esses Órgãos que os atos normativos por eles baixados têm força de lei quando suprem ou interpretam os claros de uma lei maior?
Apesar de estarmos com uma legislação omissa e que, apesar de insuficiente, o pouco que existe, ainda á inadequado, não devemos, contudo, perder o ânimo de lutar pelo que de direito nos pertence.
Do quadro singelamente traçado, decorre que o reencontro do profissional de Biblioteconomia com seu mercado real de trabalho depende de mudanças estruturais, mais do que simples medidas corretivas da conjuntura.
Referências bibliográficas
1 BRASIL. Leis, decretos, etc. Lei 4808, de 30 de junho de 1962. Dispõe sobre a profissão de bibliotecário e regula o seu exercício. Diário Oficial, Brasília, 2 jul. 1962. Seção I, Parte 1.
2 BRASIL. Leis, decretos, etc. Decreto 56.725, de 16 de agosto de 1965. Regulamenta a Lei 4084, de 30 de junho de 1962 que dispõe sobre o exercício da profissão de bibliotecário. Diário Oficial, Brasília, 19 ago. 1965. Seção I, Parte 1.
3 BRASIL. Consultoria Geral da República. Parecer 382-H, de 18 de agosto de 1966. A Lei 4084/62, não tornou privativo dos bacharéis em Biblioteconomia as funções de direção dos serviços de documentação. É aconselhável, entretanto, o recrutamento entre aqueles que tenham a qualificação de que trata a referida Lei. Diário Oficial, Brasília, 8 set. 1966. Seção I, Parte 1. (Observação: este parecer foi aprovado pela Presidência da República, em 2 de setembro de 1966 e encaminhado ao DASP em 8 de setembro de 1966.)
4 CONSELHO FEDERAL DE BIBLIOTECONOMIA. Anteprojeto de reforma da Lei 4084 de 30 de junho de 1962. Brasília, 1978.
5 CONSELHO FEDERAL DE BIBLIOTECONOMIA. Resolução 131, de 21 de outubro de 1975. Interpretação e definição do campo de aplicação ao art. 3º. da Lei Federal 4084/62. Diário Oficial, Brasília, 21 nov. 1975. Seção I, Parte II, p. 4288.
6 CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Comissão de Legislação e Normas. Parecer de 18 de agosto de 1971. Exigência de bibliotecário profissional para as bibliotecas dos estabelecimentos de ensino.
7 CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Indicação 20, de 8 de outubro de 1968. Constituição das bibliotecas nos processos de autorização e reconhecimento de escolas superiores ou de universidades. FEBAB. Boletim. São Paulo, 19 (5/6) : 58-63, maio/jun. 1969.
8 DIREÇÃO de biblioteca. Diário Popular, São Paulo, 16 abr. 1979.
9 DURO, Yvette Zietlow. Dimensão atual da biblioteca infanto-juvenil. Rev. Bras. de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, 12 (3/4) : 211-222, jul./dez. 1979.
10 ESCOLAS sem bibliotecas. O Estado de São Paulo, 4 out. 1981.
11 FEDERAÇÃO INTERNACIONAL de ASSOCIAÇÕES de BIBLIOTECÁRIOS. Seção de Bibliotecas Públicas. Normas para bibliotecas públicas; trad. de Antônio Agenor Briquet de Lemos. São Paulo, Quirón, Brasília, INL, 1976.
12 FIGUEIREDO, Nice. Serviços oferecidos por bibliotecas especializadas: uma revisão da literatura. Rev. Bras. de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, 11 (3/4) : 155-168, jul./dez. 1978.
13 GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo, Forense, 1976.
14 LACERDA, Paulo Rubens de Moraes. Parecer s.n., de 21 de abril de 1975. Bibliotecário – Exercício regular da profissão – A regra de exceção contida no art. 3º. da Lei Federal 4081/62: como interpretá-la e definir seu campo de aplicação. (Observação: não foi publicado. Este parecer foi oferecido ao CFB e uma vez aprovado pelo Plenário do Conselho foi transformado na Resolução CFB-131/75).
15 MIRANDA, Antonio. Informação na empresa: o papel da biblioteca. Rev. Bras. de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, 12 (1/2) : 67-88, jan./jun. 1979.
16 OLIVEIRA, Tereza da Silva Freitas. A biblioteca escolar no regimento comum das escolas estaduais de 1º. grau. Diário Oficial do Estado, São Paulo, 24 mai. 1978.
17 SÃO PAULO (Estado). Leis, decretos, etc. Decreto 10.623, de 26 de outubro de 1977. Aprova o Regimento comum das escolas estaduais de 1º. grau. Diário Oficial do Estado, São Paulo, 27 out. 1977.
18 SÃO PAULO (Estado). Leis, decretos, etc. Decreto 11.625, de 23 de maio de 1978. Aprova o Regimento comum das escolas estaduais de 2º. Grau. Diário Oficial do Estado, São Paulo, 24 mai. 1978.
19 SÃO PAULO (Estado). Leis, decretos, etc. Decreto 5.771, de 4 de março de 1975. Fixa a estrutura básica das escolas de 1º. e 2º. graus e regulamenta os artigos 11, 12 e 13 da Lei Complementar 114, de 13 de novembro de 1974. Diário Oficial do Estado, São Paulo, 5 mar. 1975
Original: ATIENZA, Cecília Andreotti. A legislação sobre bibliotecas no Brasil. Palavra-chave, São Paulo, n.1, p.15-18, 1982.
http://extralibris.org/revista/a-legislacao-sobre-bibliotecas-no-brasil-cecilia-andreotti/
Diretora do Centro de Documentação e Informação da Câmara Municipal de São Paulo.
Revista Palavra-Chave, São Paulo, n.1, p.15-18, 1982.
1 Introdução
Os profissionais bibliotecários, já não sem tempo, estão começando a tomar consciência dos problemas atuais existentes sobre a invasão de outros profissionais (não bibliotecários), na área da Biblioteconomia brasileira.
Ora, esse mercado de trabalho, que deveria ser privativo do bacharel em Biblioteconomia, está sendo utilizado por profissionais de outras áreas, sobre as mais diversas alegações. Isto porque a profissão biblioteconômica vem se desenvolvendo a passos largos, ampliando a escala de valores, que por definição, sempre pertenceu à Biblioteconomia, mas que na impossibilidade natural dos legisladores de 1962 de preverem esse desenvolvimento na Ciência da Biblioteconomia, fez com que a parca legislação existente sobre o assunto se tornasse inadequada, dando margens a interpretações jurídicas as mais diversas, embora saibamos que essas interpretações deveriam respeitar o conceito da matéria a intenção do legislador ao elaborar uma norma, ou seja, obedecendo a interpretação lógica da norma, que nada mais é que a investigação do fim ou da razão da lei, para fixar-lhe o seu real sentido.
Mas nem sempre isso acontece, pois por conveniências diversas, o intérprete poderá justificar sua tese segundo uma interpretação gramatical, ou seja, aquela que estabelece o sentido objetivo da lei, com base em sua “letra”.
Muitos autores jurídicos não se satisfazem com essa interpretação, pois as palavras escondem ou representam um significado não representado, na maioria das vezes, com fidelidade.
Por esta razão, os intérpretes da lei partem a investigação da “ratio legis”, ou melhor, para o fim perseguido pela lei, de modo que, em função dele, possa fixar exatamente o sentido depreendido da “letra da lei”.
Interpretar o Direito “é estabelecer o sentido objetivo da norma, não o sentido retrógrado e nem aquele que de forma alguma poderia ser incluído, mas o que se depreende do texto ajustado à realidade social. Pra descobri-lo, o intérprete deve pensar como homem de sua época e não como homem do tempo em que a lei foi sancionada. Assim, o sentido da lei deve ser atual, e não retrógrado e nem revolucionário” (13).
Uma vez explicadas as divergências possíveis de interpretação, vamos detalhar os problemas legais da Biblioteconomia, dividindo em partes as áreas mais atingidas, começando pela lei maior que disciplina o exercício da profissão, mediante a Lei Federal nº. 4084, de 30 de junho de 1962 (1) e o respectivo Decreto Federal regulamentador, nº. 56.725, de 16 de agosto de 1965 (2).
2 Princípios da Lei 4084/62
Essa lei é o resultado da situação biblioteconômica correspondente aos anos de 1962. Ora, passados vinte anos de sua promulgação, ela não pode atender mais aos objetivos da época atual, pela natural evolução da profissão e as conseqüências resultantes desse fator cultural, mas isto não significa que se deva permitir as “convenientes” interpretações de outrens, menos preocupados com o destino das bibliotecas brasileiras. Sabemos que se faz necessário modificar a Lei 4084/62, mas, antes que isso aconteça, vamos defender os princípios existentes na lei, que por extensão, permitem a defesa dos interesses profissionais dos bibliotecários.
Quais são esses princípios? Então, vejamos:
2.1 Exercício profissional
O exercício da profissão de bibliotecário foi objeto de disposição da Lei 4084, de 30 de junho de 1962 e de sua respectiva regulamentação, pelo decreto 56.725, de 16 de agosto de 1965.
Esta norma apresenta para o estudo do problema, basicamente, a disposição que exige para provimento e exercício de cargos técnicos de bibliotecários (e documentaristas), na administração pública, autárquica, parestatal, empresas sob intervenção governamental ou concessionárias de serviço público, a obrigatoriedade da apresentação de diploma de bacharel em Biblioteconomia. (Obs.: Não existe, juridicamente, a profissão de documentarista. O exercício das funções de “documentarista” é sempre do profissional bibliotecário. Esta nomenclatura precisa de uma reavaliação por autoridade competente.)
2.2 Funções privativas ou atribuíveis ao profissional bibliotecário
O art. 1º., do próprio diploma legislativo em questão, estabeleceu expressamente a intenção citada em primeiro lugar, ao declarar ser “a designação profissional de bibliotecário, privativa dos bacharéis em Biblioteconomia”, como também, assim podem entender, no art. 3º., em relação ao preenchimento dos cargos da série de classes de bibliotecário (e documentarista), onde está clara a exigência peremptória do diploma para aquele fim.
Porém, no art. 2º. quando diz a quem caberá o exercício da profissão de bibliotecário, usa a palavra “permitido” e não “privativo” que impediria, legalmente, as aberrações que estão acontecendo em nosso país, onde pessoas não habilitadas estão dirigindo nossas bibliotecas e centros de documentação, muitas delas sob a alegação (errônea) de que os cargos são de confiança.
O art. 6º. quando diz: “São atribuições dos bacharéis em Biblioteconomia…”, também não deixou claro essa intenção, dando oportunidade a alguns técnico-jurídicos, de adotarem a tese segundo a qual a lei diz que são atribuíveis aos bacharéis em Biblioteconomia as tarefas relacionadas no artigo mencionado, sem afirmar que lhes seriam, também, privativas, pretendendo, apenas, evidenciar que do exercício do cargo em comissão de direção intermediária, não se origina qualquer desvio de atribuições.
Temos como exemplo, o caso da Biblioteca Nacional. Embora a alínea “c” do art. 6º. dá como atribuição ao bacharel em Biblioteconomia “a administração e direção de bibliotecas”, tivemos um não bibliotecário na direção da Biblioteca Nacional, sob a alegação de especialistas jurídicos ligados ao MEC de que “segundo a Lei 4084, que regulamenta a biblioteconomia, o diploma de bibliotecário é imprescindível para a ocupação de cargos técnicos de bibliotecários e documentaristas. A direção da Biblioteca Nacional, entretanto, não se enquadra nestas especificações, sendo um cargo de direção e assessoramento superior, com funções essencialmente administrativas” (8).
Outro exemplo a ser citado é o caso da direção de Serviços de Documentação que, embora, expresso na alínea “d” do art. 6º. “a organização e direção dos serviços de documentação”, tivemos um parecer da Consultoria Geral da República, aprovado pela Presidência da República, onde encontramos a alegação de que “a Lei 4084/62, não tornou privativo dos bacharéis em Biblioteconomia, as funções de direção dos serviços de documentação. É aconselhável, entretanto, o recrutamento entre aqueles que tenham a qualificação de que trata a referida Lei” (3).
Esses exemplos retratam o resultado dessa omissão legislativa que permitiu a elaboração dos pareceres acima mencionados entendendo (esses pareceres) que o diploma legislativo em causa não deu exclusividade aos ocupantes de cargos de bibliotecário (e documentaristas), ou que pelo menos isso não ficou expresso na lei e consideram o diploma legal, apenas, quanto à sua interpretação literal, ou seja, onde a lei não distingue, ao intérprete não será lícito distinguir.
A gravidade, nesses casos, reside no fato (como aconteceu com o Parecer 382-H/66, de autoria do Consultor Geral da República, Dr. Arnaldo Mesquita da Costa) de que esses pareceres quando aprovados pela Presidência da República, não se pode recusar sua aplicação na esfera administrativa, embora essa exigência de habilitação seja perfeitamente legal quando entendida sob a luz da interpretação lógica da norma. (Ao “caput” do art. 6º. Deve ser dada nova redação como: “São atribuições privativas dos bacharéis em Biblioteconomia…”. E, para resolver definitivamente o problema de “cargos de confiança”, deve ser acrescentada uma alínea nesse mesmo artigo, referente às atribuições, constando do seguinte: “o exercício de cargos ou funções de direção, chefia e encarregatura, em comissão ou mediante contrato, nas áreas abrangidas pelas bibliotecas, bancos de dados bibliográficos, redes, sistemas, centros e serviços de documentação e/ou informação e demais entidades e/ ou instituições que tenham como objetivo o armazenamento e/ou a disseminação da informação em qualquer área de atividade intelectual” (4)).
2.3 Direção de Bibliotecas e de Serviços de Documentação
As alíneas “c” e “d” do art. 6º. Declaram como “atribuições dos bacharéis em Biblioteconomia a organização, direção e execução dos serviços técnicos de repartições públicas federais, estaduais, municipais e autárquicas e empresas particulares, concernentes às matérias e atividades seguintes”:
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c) a administração e direção de bibliotecas.
d) a organização e direção dos serviços de documentação.
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Ora, hoje temos que fazer a interpretação lógica, extensiva dessas alíneas, uma vez que além de bibliotecas de uma forma pura, temos em razão do desenvolvimento dessas mesmas bibliotecas “o planejamento, assessoramento, consultoria, organização, implantação, administração e direção de bibliotecas, bancos de dados bibliográficos, redes, sistemas, serviços e centros de documentação e/ou informação e demais entidades e/ou instituições que tenham como objetivo o armazenamento e/ou disseminação da informação em qualquer área de atividade intelectual” (4).
3 Definição de bibliotecas
Outro comentário a ser feito, ainda com relação ao art. 6º., onde o dispositivo menciona, textualmente, “organização, direção e execução dos serviços técnicos (…) de administração e direção de bibliotecas”. Mas, a aplicação desse preceito esbarra numa indagação: o que é biblioteca? Com efeito, sob esta denominação cabem realidades muito distintas, desde a Biblioteca Nacional com seis milhões de peças (livros, discos, mapas, periódicos etc.) até a de uma escola primária modesta.
E, aqui, poderemos citar alguns exemplos com comentários relativos a essas bibliotecas exemplificativas.
3.1 Biblioteca Pública
O manifesto da UNESCO sobre a biblioteca pública, define-a como força em prol da educação, da cultura, da informação e como instrumento indispensável para promover a paz e a compreensão entre os povos e as nações. Esse manifesto diz ainda que a biblioteca pública deve ser estabelecida à base de dispositivos legais inequívocos que regulem a prestação de um serviço de biblioteca pública de alcance nacional.
Portanto, é indiscutível a necessidade de serem baixadas normas por autoridade competente, baseadas numa publicação de nível internacional, como Internationl Federation of Library Associations, denominada Standards for Public Libraries traduzida para o português como “Normas para Bibliotecas Públicas” e onde inclui o citado manifesto da UNESCO (11).
3.2 Biblioteca Infanto-Juvenil
Em artigo publicado por Yvette Z. Duro (9) encontramos o pensamento de Cecília Merirelles, segundo o qual “as bibliotecas infantis correspondem a uma necessidade da época e têm a vantagem não só de permitirem à criança uma enorme variedade de leituras, mas de instruírem os adultos acerca de suas preferências”.
Yvette diz que “o número de bibliotecas infantis no Brasil é pouco significativo, embora na década de 70 fosse verificado maior desenvolvimento em algumas regiões”. Diz, ainda, que “as atuais diretrizes do ensino brasileiro contribuíram para o maior afluxo de estudantes às bibliotecas públicas mas relegaram a um plano secundário as escolares e infanto-juvenis”.
Não seria o caso de se estabelecer normas por autoridade competente, que poderiam ser baseadas, também, na publicação “Normas para Bibliotecas Públicas”, no item que se refere às crianças, lembrando sempre que “as crianças formam um grupo identificável dentro da comunidade, com necessidades e interesses especiais” (11).
3.3 Biblioteca escolar
A biblioteca escolar permanece entre nós como um simples repositório de material impresso ou um depósito de livro apenas.
Tereza da Silva Freitas Oliveira (16), em seu artigo, diz muito bem e de forma sucinta como a biblioteca escolar representa uma unidade integrante do núcleo de Apoio Técnico Pedagógico, no Regimento das Escolas de 1º. e 2º. graus no Estado de São Paulo, explicando a integração do bibliotecário nos planejamentos e programações escolares e, ainda, o relacionamento que se almeja no processo ensino-aprendizagem. Esses elementos todos fazem parte da estrutura funcional dessas escolas, de uma forma técnico-legal a não deixar dúvidas, mediante decretos estaduais (para São Paulo): nº. 10.623, de 26 de outubro de 1977 e nº. 11.625, de 23 de maio de 1978.
Temos que citar nesse item que “de acordo com o determinado nos artigos 2º. e 3º. do Decreto Estadual (São Paulo) 5.771, de 4 de março de 1975, o governo paulista assumiu o encargo de criar bibliotecas e, simultaneamente, os cargos de bibliotecários nas escolas de 1º. e 2º. graus da rede estadual de ensino, quando estas tiverem mais de 200 alunos. Infelizmente a exigência legal não está sendo cumprida, apesar da sua indiscutível necessidade” (10).
“Ora, se a lei estabeleceu que as bibliotecas fossem instituídas nos estabelecimentos de ensino de 1º. e 2º. graus, não se compreende e muito menos se admite a omissão do governo estadual” (10). E, nós acrescentamos: e os trabalhos de base a serem elaborados pelos órgãos de classe?
Ainda assim, São Paulo possui alguma norma sobre o assunto. E as demais regiões? Não seria o caso de termos uma legislação em âmbito nacional como diretriz básica? E, conseqüentemente, normas paralelas em cada região, salvaguardando as peculiaridades de cada um?
Nos Estados Unidos, temos a American Association of School Libraries que cuida de tornar realidade normas legais sobre biblioteca escolar.
3.4 Bibliotecas Universitárias
Conforme Indicação do CFE, nº. 20, de 8 de outubro de 1968 (7), nos processos de autorização e reconhecimento de escolas superiores ou de universidades devem ser objetivamente consideradas as condições de suas bibliotecas. Esse mesmo documento diz que “a biblioteca constitui a peça central de uma escola. Mesmo antes de a escola existir, pode existir a biblioteca. Por sua natureza um núcleo de estudos, tem sido, em casos raros porém altamente expressivos, o ponto de partida de escolas e universidades. Isso porque a dinâmica de uma biblioteca se enriquece dia a dia: é, ao mesmo tempo, uma fonte de bibliografia e uma instituição de consulta e pesquisa. Habitualmente promove cursos, conferências, exposições, seminários, publicações. Ao acervo de livros, outros departamentos se juntam, como os de revistas, os de gravura, os de dispositivos, a discoteca e a filmoteca. Enfim, todos os veículos em que a cultura se perpetua, e através dos quais pode ser definida. Por vezes, a biblioteca inteligentemente dinamizada vale tanto ou mais que uma escola. Impõe-se, pois, considerar a biblioteca como exigência preliminar à existência de qualquer escola”. E, ainda, diz que “a organização, as instalações específicas, a relação entre estas e o numero de alunos e mestres, a bibliografia geral, as bibliografias especializadas, os técnicos e funcionários hão de ser considerados na apreciação de autorizações e reconhecimentos no tocante às bibliotecas”.
3.5 Bibliotecas especializadas ou de empresas
Nice Figueiredo (12), em artigo publicado, diz que: “as bibliotecas especializadas diferenciam-se por sua estrutura orientada ao assunto, uma vez que as organizações maiores nas quais se inserem, têm normalmente objetivos mais específicos que gerais. Distinguem-se também pelos tipos de pessoas de que são servidas: pessoas associadas às organizações mantenedoras e que têm interesses e habilidades especiais”.
Não podemos deixar de citar, também, Antonio Miranda (15) quando diz que: “o objetivo da biblioteca de empresa é de capacitar o indivíduo para que ele, bem informado, acompanhe a evolução tecnológica e científica e garanta, para a empresa, rendimento e produtividade em termos de qualidade e efetividade profissionais”.
Segundo os conceitos de biblioteca especializada preconizados por Nice Figueiredo e Antonio Miranda, deveríamos ter normas específicas sobre definição, características, funções e objetivos desse tipo de biblioteca, a exemplo do que acontece com a Special Libraries Association quando descreve os objetivos da biblioteca especializada.
3.6 Deliberação do Conselho Federal de Biblioteconomia
Voltando ao início da nossa indagação, nesse comentário “Definição de bibliotecas”: poderíamos aplicar a toda essa heterogeneidade de situações o mesmo critério? – ou, mesmo, identificar a todas sob a mesma denominação, no seu sentido legal? – ou, ainda, fazer as mesmas exigências a todas elas? Acreditamos que não.
Essa dificuldade existe na Lei 4084/62, pois o termo “biblioteca”, no texto legal, é carente de definição. Caberia, pelo menos, distinguir entre uma biblioteca como entidade autônoma e outra que é, apenas, uma coleção de textos para consulta, servindo em caráter suplementar a uma atividade principal. Mesmo no primeiro caso, uma biblioteca que seja, em si mesma, uma entidade, pode serão tão modesta que não se concebe exigir à sua administração um profissional qualificado.
A perfeita interpretação da regra contida nas alíneas “c” e “d”, do art. 6º., conforme redação da Lei 4082/62, exige atenção ao conceito de “bibliotecas” e de “serviços de documentação”. Essa cautela se impõe porque os vocábulos são mencionados em todas as disposições legais existentes, como referência às diretrizes para a fixação de exigências e qualificação profissional.
Daí chegamos à conclusão de que o dispositivo acima mencionado não é auto-aplicável, sendo ao contrário, carente de regulamentação ou interpretação que tenha validade normativa. Ora, a própria Lei 4084 consigna, na alínea “f”, do seu art. 15, como atribuição do Conselho Federal de Biblioteconomia, a de “expedir as resoluções que se tornem necessárias para a fiel interpretação e exceção da presente Lei”. Podemos citar, como exemplo, o final do art. 3º. da Lei 4084, que oferece um caso de exceção à regra geral contida no art. 2º., que exige a formação técnica específica para o exercício da profissão de bibliotecário. Essa exceção se refere aos casos dos “atuais ocupantes efetivos” da função de bibliotecário e documentarista na época da promulgação da Lei 4084. Como essa disposição compreendendo a norma da exceção não está muito clara, o Conselho Federal de Biblioteconomia solicitou a especialista no assunto, um parecer técnico-jurídico (14) sobre a interpretação da mesma. Esse parecer teve como resultado a Resolução do CFB nº. 131, de 21 de outubro de 1975 (5), que interpretou e definiu o campo de aplicação do art. 3º. da Lei mencionada e que deu solução aos processos referentes à questão.
Por que os Conselhos não continuam a adotar o mesmo critério, uma vez que a própria Lei manda?
Àquele órgão cabe, portanto, não a outro qualquer, persistindo a omissão regulamentadora do Poder Executivo, deliberar sobre o âmbito exato de aplicação da regra, não somente por ser esta lacônica, senão, também, por ser absolutamente impreciso o seu objeto.
4 Conclusão
Movimentam-se os bacharéis em Biblioteconomia para discutir a questão do mercado de trabalho do bibliotecário. Muito se tem dito a respeito. Quase tudo é lógico e pertinente à matéria. As soluções apontadas, se praticadas, não deixariam de melhorar, de alguma forma, a situação. Contudo, à evidência, as análises não aprofundam o tema, até o desejável. E, as saídas apontadas são parciais, portanto, insuficientes.
E, em primeiro lugar, vêm as graves seqüelas que o arbítrio deixou em nosso ordenamento jurídico, a partir da Lei 4084/62, que com o decorrer do tempo (20 anos), sem querer sofrer as naturais modificações de redação, tornou-se ultrapassada, permitindo que determinadas soluções fossem encontradas fora das normas regulamentadoras da profissão.
Outra questão importante é a da prevalência de atos emanados por órgãos diretivos. Onde estão as Resoluções dos Conselhos Federal e Regionais que deveriam suprir as lacunas existentes e interpretar o que não está claro? Esquecem esses Órgãos que os atos normativos por eles baixados têm força de lei quando suprem ou interpretam os claros de uma lei maior?
Apesar de estarmos com uma legislação omissa e que, apesar de insuficiente, o pouco que existe, ainda á inadequado, não devemos, contudo, perder o ânimo de lutar pelo que de direito nos pertence.
Do quadro singelamente traçado, decorre que o reencontro do profissional de Biblioteconomia com seu mercado real de trabalho depende de mudanças estruturais, mais do que simples medidas corretivas da conjuntura.
Referências bibliográficas
1 BRASIL. Leis, decretos, etc. Lei 4808, de 30 de junho de 1962. Dispõe sobre a profissão de bibliotecário e regula o seu exercício. Diário Oficial, Brasília, 2 jul. 1962. Seção I, Parte 1.
2 BRASIL. Leis, decretos, etc. Decreto 56.725, de 16 de agosto de 1965. Regulamenta a Lei 4084, de 30 de junho de 1962 que dispõe sobre o exercício da profissão de bibliotecário. Diário Oficial, Brasília, 19 ago. 1965. Seção I, Parte 1.
3 BRASIL. Consultoria Geral da República. Parecer 382-H, de 18 de agosto de 1966. A Lei 4084/62, não tornou privativo dos bacharéis em Biblioteconomia as funções de direção dos serviços de documentação. É aconselhável, entretanto, o recrutamento entre aqueles que tenham a qualificação de que trata a referida Lei. Diário Oficial, Brasília, 8 set. 1966. Seção I, Parte 1. (Observação: este parecer foi aprovado pela Presidência da República, em 2 de setembro de 1966 e encaminhado ao DASP em 8 de setembro de 1966.)
4 CONSELHO FEDERAL DE BIBLIOTECONOMIA. Anteprojeto de reforma da Lei 4084 de 30 de junho de 1962. Brasília, 1978.
5 CONSELHO FEDERAL DE BIBLIOTECONOMIA. Resolução 131, de 21 de outubro de 1975. Interpretação e definição do campo de aplicação ao art. 3º. da Lei Federal 4084/62. Diário Oficial, Brasília, 21 nov. 1975. Seção I, Parte II, p. 4288.
6 CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Comissão de Legislação e Normas. Parecer de 18 de agosto de 1971. Exigência de bibliotecário profissional para as bibliotecas dos estabelecimentos de ensino.
7 CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Indicação 20, de 8 de outubro de 1968. Constituição das bibliotecas nos processos de autorização e reconhecimento de escolas superiores ou de universidades. FEBAB. Boletim. São Paulo, 19 (5/6) : 58-63, maio/jun. 1969.
8 DIREÇÃO de biblioteca. Diário Popular, São Paulo, 16 abr. 1979.
9 DURO, Yvette Zietlow. Dimensão atual da biblioteca infanto-juvenil. Rev. Bras. de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, 12 (3/4) : 211-222, jul./dez. 1979.
10 ESCOLAS sem bibliotecas. O Estado de São Paulo, 4 out. 1981.
11 FEDERAÇÃO INTERNACIONAL de ASSOCIAÇÕES de BIBLIOTECÁRIOS. Seção de Bibliotecas Públicas. Normas para bibliotecas públicas; trad. de Antônio Agenor Briquet de Lemos. São Paulo, Quirón, Brasília, INL, 1976.
12 FIGUEIREDO, Nice. Serviços oferecidos por bibliotecas especializadas: uma revisão da literatura. Rev. Bras. de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, 11 (3/4) : 155-168, jul./dez. 1978.
13 GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo, Forense, 1976.
14 LACERDA, Paulo Rubens de Moraes. Parecer s.n., de 21 de abril de 1975. Bibliotecário – Exercício regular da profissão – A regra de exceção contida no art. 3º. da Lei Federal 4081/62: como interpretá-la e definir seu campo de aplicação. (Observação: não foi publicado. Este parecer foi oferecido ao CFB e uma vez aprovado pelo Plenário do Conselho foi transformado na Resolução CFB-131/75).
15 MIRANDA, Antonio. Informação na empresa: o papel da biblioteca. Rev. Bras. de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, 12 (1/2) : 67-88, jan./jun. 1979.
16 OLIVEIRA, Tereza da Silva Freitas. A biblioteca escolar no regimento comum das escolas estaduais de 1º. grau. Diário Oficial do Estado, São Paulo, 24 mai. 1978.
17 SÃO PAULO (Estado). Leis, decretos, etc. Decreto 10.623, de 26 de outubro de 1977. Aprova o Regimento comum das escolas estaduais de 1º. grau. Diário Oficial do Estado, São Paulo, 27 out. 1977.
18 SÃO PAULO (Estado). Leis, decretos, etc. Decreto 11.625, de 23 de maio de 1978. Aprova o Regimento comum das escolas estaduais de 2º. Grau. Diário Oficial do Estado, São Paulo, 24 mai. 1978.
19 SÃO PAULO (Estado). Leis, decretos, etc. Decreto 5.771, de 4 de março de 1975. Fixa a estrutura básica das escolas de 1º. e 2º. graus e regulamenta os artigos 11, 12 e 13 da Lei Complementar 114, de 13 de novembro de 1974. Diário Oficial do Estado, São Paulo, 5 mar. 1975
Original: ATIENZA, Cecília Andreotti. A legislação sobre bibliotecas no Brasil. Palavra-chave, São Paulo, n.1, p.15-18, 1982.
http://extralibris.org/revista/a-legislacao-sobre-bibliotecas-no-brasil-cecilia-andreotti/
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